23.9.14

Elegia para um triângulo

              Acomodados, cada um em um banco, e a melancolia outonal da praça pairando por sobre: um menino e seu balão, uma senhora e sua bengala, um homem e sua gravata. Se vistos de um plano superior (esse de deuses e pássaros e aviadores), estabelecem um nítido triângulo, um triângulo que muito levemente vibra, num breve murmúrio, que é o de seus vivos vértices imersos em solitário gestual, porta despercebida para profundezas individuais. O triângulo, orgânico, carapaça do centro da praça, da sagrada fonte com pombos, avança no tempo da modorrenta tarde, avança monótono sem, contudo, avançar no espaço, pois seus deslocamentos estáticos operando numa semi-quietude em seus constituintes, do menino que balança os verdes olhos submersos no vermelho do balão ao vento, da senhora que estica as juntas dos reumáticos dedos cingindo o cabo da bengala, do homem que gira o pescoço num balé entre o gogó e o nó da gravata. O triângulo ali, o triângulo insuspeitado, o triângulo sem arestas visíveis, somente vértices sugeridos, somente força, voltagem humana moldando a ausência do nada (a matemática tudo preenche!), o parto da geometria, a geometria do parto de uma tensão espasmódica, episódica, de elementos que mesmo apenas para si, apenas em si com seus objetos, também para o todo, para conosco, para convosco, vós, nós, mundo, mundo escaleno, mundo isósceles, mundo eqüilátero.
            Mas sente-se, súbito, o silêncio. Não mais o pio do pássaro cavalgando na luz do sol, pois o pássaro agora tombado, na fonte caído, gestando respingos, fulminado e ferido pela modorra excessiva da tarde. O triângulo, então, num estalo desfaz-se: seus vagos vértices derramam-se dos bancos, correndo em socorro ao morto, cujo corpo ainda morno e as penas úmidas são paulatinamente resfriados pela água e pelo fim. Encerrou-se o canto: era ele quem mantinha colado o triângulo imaginário. 
            Os olhares voltam-se todos, síncronos, às folhas movediças da árvore que os recobre, antiga mansão do pássaro. Soa o vento, canção fúnebre. Como ele, lentamente dispersam-se afora em passos os agora novamente humanos com seus objetos, tão somente. Sobe o crepúsculo, conquistando a praça vazia, elegia arroxeada da morte de um triângulo.

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